
Não sei como vocês brincavam de esconder antigamente. Nós, meus primos e eu quando crianças, formamos uma fileira, colocando a mão direita no ombro direito do da frente e o primeiro, já de olhos tampados, aguardava todos saírem para começarem a contar.
A regra era: o último gritava o "um", saia da fila e corria para se esconder, depois o próximo gritava "dois", o outro "três", "quatro", "cinco", e assim até sobrar um. Após todos saírem, o que restou contava até cinquenta e procurava as outras crianças. Era uma forma de saber quantos estavam participando da brincadeira e de dar um tempo extra para esconderem. O primeiro a ser encontrado e pego seria o próximo a contar e o processo se repetia.
Era um domingo, que eu me lembre bem as nuvens cobriam o sol, e o vento era fresco, estava um clima muito bom para brincar. Morávamos em um vilarejo no interior de Minas Gerais, em meio a caatinga. Ainda não havia asfalto nas ruas, eram todas de cascalho. Casas grandes sem muros, algumas apenas com cercas pequenas para proteger as hortas. Já era mais de seis da tarde e nós brincávamos de queimada, já havíamos roubado manga nas casas vizinhas e agora nos preparávamos para brincar de pique esconde. Tínhamos entre seis e nove anos, eu com sete.
Comecei contando, éramos sete na brincadeira, achei quatro e dois conseguiram se safar. Depois foi a vez de minha prima, a primeira a ser pega. Na primeira vez ela não conseguiu encontrar ninguém, na segunda eu fui o primeiro a ser achado. E lá fui eu, mais uma vez, contar.
Estava escuro, a luz do poste de iluminação iluminava só a rua, o que era ótimo pra quem ia se esconder, péssimo pra quem tinha que procurar. Formamos a fila, um a um, meus primos foram saindo para se esconder. "Um"; disse a voz lá no fundo, "dois"; disse a prima indo se esconder, "três"; disse o outro primo ao sair, "quatro"; disse alguém mais próximo a mim, "cinco"; disse a outra prima, "seis"; disse o último atrás de mim, tirando a mão de meu ombro e correndo. Quando eu fui começar a contar, alguém pôs a mão em meu ombro e disse: "sete", e saiu rindo.
Eu fiquei gelado, pois a voz era um pouco sombria, e comecei a contar um pouco... um pouco não, bem mais devagar do que o costume. Eu contei e comecei a procurar, mas juro pra vocês, eu não conseguia sair debaixo da luz do poste, sentia que algo na escuridão queria me pegar.
Aos poucos meus primos começaram a aparecer, conseguir encontrar alguns, dois se safaram, e no faltando uma pessoa eu resolvi perguntar a eles:
- Quem é a sétima criança que está brincando com a gente?
Ninguém me respondeu, apenas se olharam e sentaram no passeio, aguardando encontrar a última pessoa.
- Gente, alguém pois a mão no meu ombro e disse "sete", antes de eu começar a contar.
- Eu fui o último a sair. – respondeu um primo. – Não vi ninguém não. Mas encontre o último pra gente poder brincar mais, antes de minha mãe vir me chamar.
Eu caminhei em círculos, sempre dentro da luz, observando o entorno para encontrar o último dos primos... e com medo de encontrar o sétimo jogador. Ouvi um barulho de estalo no meio do mato, em uma área onde a luz mal chegava. Eu não era daqueles que gritava "um, dois, três, "Fulano" no meio do mato" sem ter provas, mas não queria caminhar até o meio do mato só por um estalo. Então aguardei, e ouvi um outro estalo e um risada.
Caminhei devagar, observando por trás dos arbustos, e a risada se torna um sussurro. Caminhei mais um pouco e percebi meu primo abaixado, tampando os olhos e tremendo. Eu fiquei preocupado, ele era sempre um dos primeiros a se livrar, esperto e muito elétrico.
- Hey, o que foi? Se machucou?
- Não conversa com ele. – disse meu primo atrás de mim.
Eu olhei pra ele e meu primo correu em direção a luz, ao olhar de volta, eu vi um rosto com olhos escuros, pele branca e um sorriso diabólico no rosto. Gritei, gritei muito e chorei, logo os adultos chegaram para ver o que tinha acontecido. Lógico que ninguém acreditou em mim ou em meu primo. Pelo menos nos proibiram de brincar de esconder a noite e eu nunca mais vi aquela criança de novo.
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