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O espelho do shopping

Foto do escritor: Odilon JúniorOdilon Júnior
O espelho do shopping - Pequenos contos medonhos - odilonpjr

Um dia desses, no inverno, fui com minhas amigas ao shopping. Nada demais. Queríamos apenas conversar, ver as vitrines, comer algo diferente e passar um dia inteiro longe de casa.

Havia uma loja nova de decoração bem no primeiro piso e ficamos curiosas com os artigos e as propostas de ambientes, luminárias. Tudo coisa linda. Deu vontade de comprar tudo.

Depois de tempo apreciando as vitrines, uma mulher e dois homens saíram correndo da loja, diziam que algo os perseguia. Nos assustamos, paralisamos por um tempo em frente à loja e Denise não quis entrar. Estava toda arrepiada... Devíamos ter ficado com ela do lado de fora, ou ido embora logo.

Entramos, checamos cada um dos departamentos e planejamentos, mentalmente, cada uma: o quarto de seu bebê, de sua criança, sua suíte, cozinha etc. Era tudo lindo, lindo mesmo.

No segundo andar da loja havia um departamento só de espelhos, cada um mais lindo que o outro. Redondos, com molduras, quadrados, com luminárias, mosaicos, grandes, pequenos e enormes.

E bem lá no canto, chamando a atenção de todos que entravam, estava um grande espelho com uma moldura grossa e toda entralhada em uma madeira amarelada. As folhas, os rostos angelicais, as flores entralhadas tinham uma perfeição absurda. Não havia preço no tal objeto e ninguém, exceto a equipe de avaliação, podia se aproximar.

Era lindo de ver. Tão majestoso, tão imponente. Os reflexos pareciam ganhar vida. Brilhavam, encantavam.

Mas Olga se assustou e eu também, dois dos rostos angelicais agora eram criaturas terríveis, com pequenos chifres no topo da testa e olhos aterrorizantes. Ângela não viu o que vimos, mas se assustou com nossos gritos.

- O curador delimitou distância desse objeto para poder trabalhar com tranquilidade. – disse o segurança ao se aproximar. – Vocês poderiam, por favor, assim como aquelas outras pessoas, pararem de gritar?

- Me desculpe. – disse eu, ao puxar minhas amigas para longe. – Pensamos ter visto algo se mover no espelho.

- Há outros itens no mostruário. – retrucou o homem bravo e áspero. – Tenho certeza de que há algo mais simples para vocês.

Me senti ofendida, mas não retruquei. Forjei um sorriso sínico e agradeci. Puxei minhas amigas para fora do departamento, observando como havia outros rostos deformados e macabros no espelho.

- Ângela, tu viste aquilo? – perguntou Olga.

- Vi o quê?

- Os rostos estranhos na moldura do espelho?

- Não! Não vi nada. – respondeu a amiga, espantada. – Eu me assustei com os gritos de vocês.

- Sério, Ângela. Que bom que não viu. – afirmei.

Denise havia entrado na loja, estava no primeiro andar ainda quando nos avistou. Ela disse que havia entrado porque ouviu gritos e sabia que era a gente. Rimos, acho que de tão nervosas que estávamos e saímos decididas a ir embora.

Ângela que estava dirigindo. Devemos ter rodado cerca de dois quilômetros quando precisamos uma cena chocante. As três pessoas que saíram correndo da loja estavam mortas, deitadas no chão, e o carro que dirigiam estava com todos os vidros quebrados. O mais estranho foi ver os cadáveres sem rosto no chão... Por que eu fui olhar?

Olga começou a chorar. Denise, que estava no banco de trás, tentou consolá-la, mas não adiantou. Olga caiu os prantos e não conseguia dizer nada.

Ao chegarmos na porta da casa de Denise, Olga pediu para ficar com ela. Lógico que qualquer uma de nós ia deixá-la ficar um de nossas casas pelo tempo necessário até ela se acalmar.

Partimos em silêncio após um leve sinal de despedida. Ângela perguntou se eu estava bem.

- Foi estranho. Eu juro que os rostos mudaram e... sei lá, foi perturbador. Senti que liam a minha mente naquele momento.

- Diana... – disse Ângela, com um ar de que soltaria uma bomba em minhas mãos. Denise sempre falou que, de nós quatro, você e Olga tem assuntos não resolvidos. Será que vocês não se assustaram e agora estão pensando nisso? Digo...

- Você sabe que eu não gosto de falar disso. – lamentei.

- Sim. Eu sei! Mas talvez você precise deixar isso para trás, se perdoando. Não apenas você, vocês. Eu sei que Olga chorou daquele tanto por pensar em algo do seu passado. Isso já aconteceu antes. Ela se sente culpada e não consegue conversar, deixar para lá.

- Entendo...

- Eu sei que entende. Tenho certeza de que não há nada de errado no espelho, talvez tenham vistos reflexos ou alguma distorção pelo ângulo que estavam.

- Sempre centrada e lógica...

- Sempre a que cuida de todas. – retrucou Ângela, sorrindo. - Eu amo vocês e quero o melhor para esse grupo fantástico. Promete para mim que vai se acalmar e colocar isso de uma vez por todas no passado.

- Sim. Prometo. E, aproveitando o sermão, seria bom você ou Denise conversar com Olga.

- Eu pensei nisso também. Vou ligar para Denise.

Eu sorri e nem vi que já estávamos na porta da minha casa. Abracei minha amiga, beijei o seu rosto e saí do carro. Entrei em casa e não havia ninguém. Meus pais deviam estar no interior.

Primeiro eu peguei uma xícara e tomei um café forte e quente. Depois tomei um banho relaxante... ou pelo menos eu queria que fosse. Senti e pude jurar que havia alguém do outro lado do vidro do box me observando. O espelho estava limpo, não havia embaçado por conta do ar quente.

Saí correndo dali, fui para o quarto e me deitei na cama, vestindo o pijama embaixo do edredom mesmo. Já era noite, passamos o dia inteiro no shopping. Normal.

Ouvi um barulho forte em casa e acordei assustada, meu coração quase saia pela boca. Peguei um jeans qualquer e uma blusa e vesti, calcei o chinelo e fui averiguar, desejando que fosse meus pais voltando de viagem. Mas não era. Na verdade, não era nada. Tudo em seu lugar, exceto o vento frio e as risadas.

A luz da casa piscou e apagou, usei a lanterna do celular para ver os móveis e um caminho até quarto. Foi estranho porque o corredor da minha casa agora era imenso e cheio de espelhos, igual o departamento da loja que visitamos no mesmo dia. Eu caminhei, sempre olhando para trás, assustada. Andei e observava meus reflexos me seguindo, distorcidos e desfocados.

Eu caminhei e caminhei até chegar em frente ao grande espelho. Mas dessa vez não havia nenhum rosto ali, nenhum. Isso me deixou apavorada.

Eu sabia que precisava fazer algo, então me aproximei do espelho. E à medida que eu me aproximava, meu reflexo caminhava para fora do espelho, me olhando friamente, chorando sangue.

Eu tentei correr, mas logo ela se aproximou de mim e me jogou no chão. O corredor já não existia, era só uma grande sala repletos de espelhos pequenos e aquele grande no meio. Eu tentei correr de novo, mas senti o meu duo me segurando, gritando, chorando, me xingando.

- Para com isso! – eu gritava. – Você está me machucando.

Mas ela não respondia, apenas gritava tudo o que eu gritava junto comigo. Era como um eco.

Suas mãos eram frias e congelantes, parecia que seu toque esfolava minha pele. Eu pensei que ia morrer, me virei para encarar-me mais uma vez.

Chorei, ela também. Me afastei lentamente, com os olhos vidrados nela, e ela fez igual, exatamente igual. Suas mãos se mexiam como as minhas, sua respiração era sincronizada, seu olhar seguia o meu por toda a sala.

Era hora de fazer algo, então me levantei e caminhei em direção ao meu eu. Olhei bem firme em seus olhos e não tive mais medo. Eu sabia o porquê de ela estar me punindo.

- Me perdoa. – dissemos baixinho. – De coração, me perdoa. Eu não sabia o que estava fazendo. Não tinha consciência da minha força interior e do meu desejo de viver. Eu sei que eu errei tentando tirar nossa vida... minha vida. E foi um erro que eu estou me perdoando agora. SE você quer me matar e tem que matar, faça. Mas agora, agora eu me perdoo. Agora estou tranquila em dizer isso em voz alta. Eu me perdoo.

Meu duo se afastou de mim, caminhando para trás. Percebi que meu braço e minha perna sangravam, provavelmente de quando ela me derrubou no chão. E ao olhar meu reflexo de novo no espelho, tudo aquilo quebrou e explodiu. Voaram milhões de cacos para todo lugar.

Eu acordei e senti meu braço e minha perna arderem. Foi real. Foi muito real. Peguei o celular e liguei para Ângela, liguei para Olga e finalmente para Denise, que foi a única que me atendeu.

- Onde Olga está? – perguntei afobada. – Diz que ela está bem?

- Calma. Está bem sim! Melhora agora que desabafou.

- Ela não teve um pesadelo?

- Não... não que eu saiba. Ela dormiu no sofá e depois foi para quarto de hóspedes.

- Denise, verifique como ela está, por favor.

- Claro amiga...

Denise foi até o quarto, Olga dormia bem. Fiquei aliviada. Depois ela me contou que Olga havia atropelado o cachorro de Ângela e fugiu, sentindo-se culpada durante todo esse tempo, pedindo desculpas a Ângela logo que terminou de desabafar.

E esse foi o pior e real pesadelo que tive. Não tenho notícias do espelho, não faço ideia de onde ele está. Mas descobrimos que o curador fotografou uma parte da inscrição que havia atrás do espelho, um dia antes de morrer.

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