
Levantei-me mais cedo do que o normal, e isso só afetou o meu trabalho. Passei o dia inteiro com sono. Como eu trabalho em casa, certas vezes eu consigo conciliar um tempinho extra para descansar. Mas nesse dia, era “Helen, faz isso...”, “Helen, isso tá pronto?”... “Hellen, precisamos nos reunir”. E entre sufocos e apertos de uma rotina atípica e caótica, a única coisa que eu conseguia fazer era debruçar-me sobrea janela e olhar a paisagem urbana.
Eu morava em um apartamento próximo a uma avenida importante da cidade. Havia um córrego canalizado ao centro, ciclovia, árvores e as faixas para os carros. Em determinados momentos do dia, era bem tranquilo, quase sem movimento. Os horários de pico eram barulhentos, outrora as motocicletas barulhentas perambulavam pelas faixas, estourando o cano de descarga ou acelerando alto sem necessidade, só para fazer barulho... Moleques infantis.
Nesse dia, lembro que já eram umas dezessete horas. Faltava só meia hora para o fim do expediente, mas eu precisei dar uma espairecida. Levantei-me da cadeira e debrucei-me na janela, observando o movimento: carros, motos, ciclistas, pedestres.
Eu me lembro que observei um homem, com um grande chapéu para se proteger do sol, camisa de manga longa azul, calça clara e um calçado sépia, amarelo... não sei.
Eu fiquei observando-o durante um tempo, até ele cruzar a esquina e sair do meu campo de visão. Foi aí que algo inusitado aconteceu. Alguém, exatamente com as mesmas vestes, da mesma altura e com o mesmo “gingado” ao caminhar apareceu no início da avenida, aqui perto de casa.
Eu achei estranho e me assustei quando o telefone tocou. Era minha chefe pedindo uma reunião urgente...
No dia seguinte, sábado, consegui dormir até tarde e descansar, ajeite algumas coisas, limpei os cômodos e por fim, fui para janela. Não era a vista mais linda da cidade, mas era boa para distrair.
Nem reparei as horas, mas provavelmente eram dezessete horas... O homem passou, vestido exatamente igual ao outro dia, seguiu o mesmo caminho e virou a esquina. O outro homem surgiu, fazendo o mesmo percurso, até o final, virando a esquina. E por fim, foi só isso.
E isso se repetiu no domingo seguinte, e na segunda, terça, quarta. Comecei a achar normal, até que uma terceira pessoa, exatamente igual, surgiu na outra pista, que fazia sentindo inverso de caminhada.
Algo estava errado, pensei. Não havia ponte para travessia de pedestres lá na frente, após a tal curva, esquina como chamei. Demoraria muito para alguém correr até lá no balão e voltar até onde eu pudesse ver.
No dia seguinte foi pior, havia quatro pessoas, e eu podia jurar que eles me encaravam. Mas por conta do chapéu que usavam, eu não conseguia enxergar os rostos.
Eu devia ter deixado isso de lado, mas a minha curiosidade sempre foi muito grande. No sábado seguinte, comecei a fazer caminhadas no mesmo horário. Nada! O homem não aparecia, nenhum deles.
Mas quando voltei para o meu apartamento, lá estava ele caminhando de um lado da pista e seu sósia do outro lado.
E no domingo, a mesma coisa, caminhei e caminhei por horas. Nenhum sinal do homem, do caminhante. Mas quando voltei para o apartamento, lá estava ele, dessa vez, em sentido contrário a pista.
Eu passei a ignorar isso, tentei esquecer que estava curiosa com o que era aquilo. Durante a semana, observei o movimento de maneira geral, mas sem me preocupar com o homem e seus sósias.
E na quinta-feira seguinte. O homem estava parado, do outro lado da avenida, olhando diretamente para minha casa, as dezessete horas e vinte e um minutos.
Aquilo me perturbou... Eu tive a sensação de que ele estava me observando esse tempo todo. Fingi que não vi aquilo e voltei a trabalhar. Dezoito horas e trinta e quatro minutos. Lá estava o homem, parado no mesmo local, olhando para a minha casa.
Sinceramente, eu quis ligar para a polícia, mas eu não saberia como explicar a situação. Mesmo assim eu tentei. Liguei, contei que há algum tempo havia um homem caminhando na avenida e encarando meu apartamento e que hoje, exatamente naquele momento, ele estava parado e olhando para cá. A polícia pegou a descrição do homem, foi até o local e procurou por mais informações. Uma senhora de idade disse que já viu alguém com essas roupas caminhando por ali, mas já havia muito tempo, talvez anos, que ela não via a pessoa.
Um oficial foi até o meu apartamento para me acalmar e prometeu investigar mais. Disse que encaminharia um pedido ao juiz para conseguir uma autorização para checar as câmeras de segurança no bairro e encontrar o suspeito.
Eu tentei me acalmar, tomei um chá e fui dormir. Não sei que horas eram, mas era de madrugada e não havia movimento na avenida. Eu fui até a janela da sala e me debrucei. Imediatamente me levantei e fechei todas as janelas. O homem estava lá de fora, exatamente de frente ao meu apartamento do lado de cá da avenida.
Liguei novamente para a polícia, foto com o meu celular para provar a existência da pessoa. A polícia chegou rapidamente, procurou em todas as ruas, nada de encontrar o tal homem.
Só consegui dormir um pouco porque os policiais ficaram de guarda na porta do prédio, dentro da viatura.
Durante uns dias, parecia que o homem havia sumido e eu já estava bem mais tranquila e segura. Conseguia ficar observando a paisagem de novo sem procurar por aquele homem ou sem me sentir observada.
Mas a curiosidade ainda martelava em minha cabeça. Resolvi caminhar no fim do dia e, se porventura visse a senhora que falou com a polícia, conversaria com ela.
E caminhei por aí, segui o fluxo que o homem fazia, fui até lá em cima, virei a esquina, dei a volta o quarteirão, passei na frente da minha casa, fui até o balão e fiz o retorno, caminhei do outro lado da via e comecei a correr.
Comecei a correr porque ouvi a respiração de alguém se aproximar de mim, e um calafrio subiu a espinha de forma que minhas pernas se moveram involuntariamente para frente.
Eu corria, e sentia que alguém estava atrás de mim, mas eu não queria ver. Comecei a gritar, atravessei a pista e gritei mais ainda, chorando. Tenho certeza que ouvi algo, “você viu”, “me deixa em paz”...
Algumas pessoas se aproximaram, perguntaram preocupadas o que havia acontecido, eu disse que foi uma crise de pânico, que eu estava cansada estressada. Voltei para casa, tomei um banho, fiquei na janela, esperando que ele aparecesse... eu estava com medo, mas queria saber o que estava acontecendo.
Não vi mais aquele homem. Minha psicóloga disse que foi tudo fruta da minha imaginação, tudo uma forma de escapar da realidade e ter motivos para sair de casa... Já o policial me disse que o único homem que aparentemente andava com aquelas roupas faleceu há uns anos, próximo ao apartamento, enquanto caminhava. Ele manteve o caso aberto por mais alguns meses, mas eu entendi que era em vão. Não era uma pessoa.
Meu pai me deu esse apartamento, tem menos de um ano. Não sei se algo aconteceu aqui no passado para se conectar a esse fantasma. Minhas pesquisas não deram em nada...
Se passaram meses, mas nenhuma manifestação. Tudo aconteceu em três semanas, talvez alguns dias a mais, e depois tudo voltou a monotonia.
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