
Comprei uma casa em um bairro mais afastado do centro da cidade grande. Eu já tinha mais de vinte e três anos de idade, trabalhava como técnico em informática e já tinha condições de adquirir um imóvel pra mim.
A casa tinha dois quartos, sala, cozinha, um banheiro, e uma varanda grande ao fundo. Na frente um pequeno jardim e a vaga da garagem. Era perfeita pra mim. As janelas estavam pintadas de branco e as portas internas pareciam ter sido trocadas recentemente.
Arrumei toda a mobília em casa em um sábado e no domingo peguei o dia para descansar. Sentei-me em um banco de pedra na varanda e fiquei curtindo a brisa e os cantos dos pássaros até que, no vão da janela semiaberta, eu percebi um olhar frio me encarando.
- Filho, estou com sede. – disse a voz no quarto.
Eu me assustei com aquilo e me levantei do banco, e fui até a porta do quarto. Estava trancado.
Fui até a varanda e observei a janela por um tempo, nada aconteceu. Pelo lado de fora eu abri a janela e vi que não havia nada no quarto, apenas meus móveis e algumas caixas que ainda não organizei.
Voltei para dentro da casa e abri a porta, ouvi o barulho de um guizo e o procurei, nada encontrei. Olhei embaixo da cama, dentro do pequeno guarda-roupa do que seria o quarto de hospedes e nada, não havia alguém ali comigo.
Continuei o meu dia como se nada tivesse acontecido. Preparei uma janta, arrumei a cozinha, tranquei a casa e fui dormir.
No meio da noite acordei assustado, havia alguém no banheiro de casa. Ao me levantar da cama, ouvi os guizos outra vez. Acendi a luz e procurei pelo quarto, fui até o banheiro e nada de anormal. Tudo estava do mesmo jeito que deixei.
Voltei a dormir e me levantei no outro dia atrasado, com uma dor de cabeça terrível, algo que nunca havia sentido. Comentei com uns colegas sobre o ocorrido e rimos, depois fui até a farmácia comprar algum remédio.
Não era comum que eu lesse jornais, mas dessa vez algo chamou me atenção: ”Mulher é abandonada em casa e morre sozinha”. A matéria referente a esse título contava sobre uma mulher com uma doença rara que estava acamada e necessitava de cuidados especiais. Os filhos pagaram uma enfermeira para cuidar dela, mas em um dia, quando houve uma grande confusão por meio de mensagens eletrônicas, a senhora foi deixada sozinha por um final de semana inteiro e morreu, por conta das complicações da doença causadas pela falta dos remédios aplicados na hora certa.
Achei chocante o título da matéria, mas acho que tem que ser impactante mesmo para chamar atenção. Paguei pelos remédios e voltei ao trabalho. Lá pesquisei mais um pouco sobre o caso e vi que a mulher, que morreu sozinha em casa, morava do outro lado da cidade, muito longe de mim.
Coloquei na cabeça que estava tudo bem, foi só imaginação minha... “Nada a ver pensar essas coisas, nem acredito nisso.”
A semana seguiu tranquila, não ouvi mais guizos. O trabalho rendeu e finalmente já era sexta-feira novamente. Fiz algumas compras para receber meus amigos no domingo, queria conhecer a casa nova. Ao chegar em casa, na sexta, após as compras no supermercado, percebi a porta do quarto de hóspedes trancada.
- Tem alguém aí dentro? – perguntei, batendo na porta, mas ninguém respondeu. – Ei! Você está invadindo a minha casa, saia daqui agora.
- Estou com sede, filho. – respondeu a voz.
Eu me assustei muito, fiquei imobilizado. E o medo me imobilizava mais a cada um dos barulhos de guizos que circulavam a casa.
- Você não me ouviu chamar? – disse a voz da mulher dentro do quarto, cada vez mais medonha, chegando aos sussurros de uma cripta vazia. – Eu te chamei, eu te chamei filho...
A porta do quarto se abriu lentamente, a luz estava acesa. Era o meu quarto de hóspedes ali, do jeito que deixei. Eu entrei com cuidado, estava com medo, procurei pelo quarto novamente... nada ali. Ouvi alguém no banheiro... não sei se é loucura da minha parte, mas pelo barulho só poderia ser um homem.
Fui até lá, verifiquei o banheiro, também não encontrei nada. Aquilo já estava me deixando louco, todos aqueles barulhos, os guizos, a voz no quarto...
- Traz um copo de água pra mim, filho. – disse a voz de mulher no quarto acompanhada pelos guizos.
Uma lágrima escorreu em meu rosto, de medo. Eu chorava em sussurros baixinhos, caminhei até a cozinha e enchi um copo com água... Levei até o quarto e os guizos cessaram. Coloquei o copo sobre uma escrivaninha e saí. A porta se fechou sozinha.
As luzes da minha casa se apagaram, eu me vi perdido em meio a escuridão e não sei o que aconteceu durante a noite. Quando o sol espantou a noite e as sombras, eu percebi que estava em pé, as compras sobre a mesa e a porta permanecia fechada.
As carnes que ficaram fora do congelador durante a noite estregaram, o mal cheiro já circulava pelo ar. Minhas pernas doíam muito.
Abri as janelas, peguei a chave reserva do quarto e fui abrir a porta. Não precisei da chave. Abri a janela e desesperadamente tirei tudo do guarda-roupa e das caixas da mudança... Até que por fim abri uma última caixa, cheia de roupas femininas e um guizo entre os pertences.
Entrei em contato com o pessoal da mudança e perguntei sobre a caixa, eles não souberam responder, então perguntei qual foi a última mudança que fizeram para que eu pudesse devolver as coisas ao dono. Eles me passaram o endereço e eu fui... Fui até lá, levando a caixa comigo, chegando à casa onde a senhora faleceu, abandonada.
Ao tocar a campainha o filho me atendeu. Eu disse a ele que havia uma caixa extra na minha mudança e só fui notar naquele dia, ele agradeceu e sorriu sem jeito.
- Tem um guizo aí dentro, achei interessante o formato. - disse despretensiosamente.
- Minha mãe estava acamada, ela puxava a cordinha e tocava o sino quando queria alguma coisa.
- Entendo... Bom, sua mãe está com sede, ouvi esses guizos diversas vezes em casa.
- O quê? - indagou o rapaz sem entender nada.
- Você esteve lá naquela noite, certo? - questionei como se soubesse a resposta, lembrando detalhes da última noite.
A expressão do homem mudou na hora, ele me ignorou e fechou o protão... Fiquei pensativo por um tempo, depois entrei no carro e fui embora.
Nunca mais presenciei nada em minha casa. No domingo, eu e meus amigos celebramos a minha conquista de ter uma moradia própria, entretanto, os detalhes do último dia estavam guardados, não contei a ninguém.
Algumas semanas depois li no noticiário que um jovem se enforcou em um quarto, mesmo quarto que a mãe havia falecido, e a única coisa de estranho ali era um copo de água perto da cama que, de acordo com os familiares, não era hábito dele.
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