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O espantalho

Foto do escritor: Odilon JúniorOdilon Júnior
O espantalho - Pequenos Contos medonhos - odilonpjr

Minha mãe sempre falava:

- Não é para mexer ou xingar o espantalho lá na plantação, moleque.

E eu, sempre que ia entregar o almoço do meu pai, na fazenda do senhor Lázaro, passava sempre longe do tal espantalho. Uma vez só, que eu me lembro bem, me aproximei para ver como ele era: era feio, um chapéu já bem gasto, camisa escura e xadrez, calças surradas, uma botina velha e muita palha no corpo, e no rosto havia uma máscara, preta com três vãos, uma boca costurada, os olhos fundos, como se fossem só o vão... Os pássaros não chegavam ali perto, e acho que nenhuma pessoa que não precisasse mesmo estar ali.

E eu nunca entendi o porquê disso. Era só o espantalho. Dava medo? Sim! Era estranho chegar perto dele, ainda mais após ouvir as histórias lá na cidade próxima: o espantalho sempre esteve ali; quem mexe com ele nunca mais é visto; coisas ruins acontece com quem o insulta; o irmão de fulano desapareceu depois de tentar pôr fogo no espantalho; e por aí vai.

Na adolescência, a gente era corajoso, né!? Não tinha luz nas ruas naquela época, poucas casas tinham televisão. Então a gente, os mais pobres, ficávamos na rua até tarde, paquerando, bebendo, conversando fiado. Um dia desses, eu, Getúlio, meu primo Pedro e um amigo de escola, o Almir, bebemos demais, demais mesmo. E, em vez de ir embora, sei lá o que deu na gente, fomos para plantação de batata onde estava o tal espantalho. Não tenho ideia de como chegamos lá, recordo pouco de irmos rindo, passamos numa casa e pegamos um facão e fomos.

Do nada o Pedro começou a rir e ficamos sem entender o que estava acontecendo. Ele olhou para a gente e falou:

- Pararam para pensar que, se o que falam for verdade, ou se é alguém da fazenda que vigia a plantação e mata os que vão a noite lá, a gente não tem a menor chance... – e voltou a gargalhar.

- Mas nós somos três e fortes. Nós conseguimos dar conta de um só. – incentivou Almir.

- Bêbados? – gargalhou. – Bêbados? Jura? Eu mal consigo parar em pé.

- E o que sugere? – perguntei.

- Vamos esperar um pouco, ou voltamos amanhã à noite. Eu não quero morrer bêbado, sem me defender.

- É só uma lenda. – insisti.

- O fato de as pessoas sumirem não é lenda. Você sabe que é verdade. Existem foto do irmão do vovô até a nossa idade, e depois ele sumiu da face da terra.

- Pedro, você só está assim porque recebeu o nome dele...

- Não! Não. Eu ‘tô’ bêbado. Não vou lá agora. Podem ir então.

Pedro começou a voltar sozinho, cambaleando e levando o facão. Eu fiquei com medo de que ele se machucasse e voltei, Almir deu um berro, xingou o espantalho e voltou com a gente. Estava escuro, a gente tinha andado pouco, mas nem chegamos perto de entrar na plantação de batatas ainda, quando reparei, tínhamos chegado na porteira.

Ouvimos passos atrás de nós. Não deu para ver nada quando olhamos e, então, continuamos acompanhando Pedro. Convenci os meninos a ficarem lá em casa mesmo, havia um quarto nos fundos, que meus pais construíram para acomodar um pouco dos filhos.

Deitamo-nos para dormir. Pedro logo caiu no sono. Almir dormiu no chão, em um colchão entre as camas, no meio do quarto.

Não lembro a hora exata, mas sei que todos já estávamos acordados e ouvindo uma respiração forte dentro do quarto. E era isso, a respiração estava ali, a luz do lampião estava fraca, mas era perceptível que não havia mais ninguém no quarto.

Quando tudo se silenciou, Pedro começou a rir novamente e a dizer que era uma loucura aquilo. E enquanto ele ria, nós ouvimos batidas nas portas e janelas de madeiras. Dezenas de batidas soando ao mesmo tempo.

Almir se levantou, abriu a porta e correu pelo quintal. Quando eu me levantei, percebi o silêncio surgir junto a escuridão. O vento deve ter apagado a luz do lampião...

- Eu avisei. – disse Pedro, de pé, sério, acendendo o lampião novamente, perto de mim, me olhando fixamente.

Aquilo foi assustador, tão assustador que berrei. Meu pai acordou, saiu de casa e foi até o quarto. Contamos o ocorrido e logo ele saiu, correndo, procurando por Almir.

Almir estava agachado, há cerca de cinco quilômetros, atrás de um cupinzeiro enorme, do outro lado do córrego.

Ele não conta o que viu, ele só diz que correu, correu muito até não conseguir mais, correu até deixar de sentir que algo ruim o perseguia, e isso só aconteceu após ele atravessar o córrego.

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