
Mel acabara de chegar em casa tarde da noite, estava exausta após um dia corrido e bastante produtivo. Como de costume, ligou o rádio e começou a organizar a cozinha enquanto preparava algo para comer.
- Boa noite, telespectadora. – disse uma voz masculina saindo do rádio sobre a escrivaninha. – Hoje o dia foi corrido e produtivo, mas nada do que preparar algo saboroso para comer, não é mesmo?
- Olha... até parece que ele está falando comigo? – murmurou Melissa.
- E para animar esse fim de noite, vamos tocar algumas nostálgicas que eu sei que vai te animar. – o radialista começou a tocar a música e logo Mel se arrepiou, era uma de suas músicas favoritas. Enquanto ela cantava seguindo o ritmo do cantor, o radialista se despediu. – Esperamos que você aprecie nossa seleção de hoje e se divirta. Amanhã nos encontraremos de novo. E lembre-se: não se sinta sozinha, sempre estarei aqui, com você.
Melissa seguiu embalada por mais umas quatro, cinco músicas nostálgicas, cozinhando, lavando vasilhas e por fim se jogando em poltrona, saboreando um delicioso prato de comida e caindo no sono.
Acordou um pouco mais tarde que o normal, se arrumou e dirigiu até o local de trabalho. Foi mais um dia típico, corrido e sem graça. Ao chegar em casa, a primeira coisa que Melissa foi ligar o rádio, antes mesmo de tomar um banho quente e relaxante.
- Boa noite, telespectadora. – disse a mesma voz masculina da noite passada. – Hoje a manhã com certeza foi corrida, nem todo mundo se levantou na hora certa. Mas tudo bem, o dia correu bem, não é mesmo?
- Ainda bem que correu tudo bem. Grandes coisas estão por vir, e tudo tem que dar certo... – preocupou-se a jovem empresária.
- Mas não se preocupe. Curta um banho quente, jante algo bem saboroso e aproveite esses sucessos nacionais. Hoje nosso programa vai durar mais. E lembre-se: você não me vê, mas estou sempre contigo.
Por um instante, Mel se sentiu incomodada, havia algo de errado. Mas logo que ele lembrou que amanhã ela teria que bater a meta de venda, seus pensamentos borbulharam e a fizeram terminar o banho rapidamente. Mal comeu um lanche, desligou o rádio e foi dormir.
- "Tem algo de estranho". – pensava, sonolenta, deitada na cama. – "Deve ser só a ansiedade do trabalho".
E no outro dia a rotina se repetiu, e no outro também. Foram sete dias de uma rotina que a perturbava agora.
Melissa se sentia incomodada e conversou com uma colega do trabalho sobre o que vinha ocorrendo.
- Te juro, parece que ele me vê.
- Corta essa. – desacreditava a colega. – Deve ser só mais uma jogada de marketing para que as pessoas possam ouvir mais a rádio. Tipo, deixar a comunicação mais próxima, como se fosse algo presente mesmo.
- É sério. – insistia Melissa. – Eu posso mudar a minha rotina que ele vai falar no rádio o que eu estou fazendo... E pra piorar, ele não usa o plural durante a conversa.
- Ah, você sabe que eu só acreditando vendo, no caso, presenciando. Se quiser eu dou uma passadinha na sua casa depois do trabalho, sei que a gente mora perto mesmo.
- Será bom. – sorriu Mel. – Só pra desencargo de consciência mesmo.
E após o expediente, cada uma em seu carro, Mel e Larissa seguiram até o apartamento, conversando sobre os problemas de cada setor da empresa enquanto subiam o elevador.
- Hoje é um bom dia para reforçar a amizade, não é mesmo!? – disse o radialista. – Amigos são para todas as horas. Pensando nisso, criei uma 'playlist' curta, mas com músicas que embalam e alegram o ambiente.
- Viu? – exclamou Mel, perplexa.
- Caramba... – respondeu Larissa, abismada. – Você já checou a casa? Ou será que esse radialista mora no seu prédio?
- Eu não sei. Só acho estranho, e está cada dia mais bizarro. São frases precisas, coincidem com o momento.
- Mel, deveríamos gravar essas falas para ter como prova.
- Sim. Eu até ia sugerir ligar na rádio, mas isso deve ser uma transmissão pirata.
- E enquanto a música toca, lembrem-se: vocês não estão sozinhas. – disse o radialista. - Vocês não me veem, mas eu vejo vocês.
- Chega. – gritou Mel. – Chega. Vou ligar para a polícia.
- Melissa... não temos prova...
- Podemos fazer um boletim, pedir ajuda.
- Tudo bem, então. Vamos a delegacia. Acho que é melhor a gente sair daqui.
- Obrigada.
Melissa pegou a bolsa, saiu e trancou a porta, ficou ao lado de Larissa aguardando o elevador. A tensão era tanta, que elas nem perceberam que o rádio havia desligado sozinho.
Outra vez separadas, cada uma entrou no seu carro e dirigiram até a delegacia mais próxima para registrar um boletim de ocorrência.
- Espera... – pediu o policial. – Me conte essa história direito, e apenas uma de vocês fala.
- Eu cheguei em meu apartamento a noite, depois de trabalhar, e liguei o rádio. Na mesma hora o radialista começou a falar, uma voz masculina, forte, sedutora. Parecia que ele estava falando comigo, mas eu não percebi nada de estranho. E isso continuou por uma semana. – pausou Mel. Um pouco aflita ao perceber os chiados nos rádios dos oficiais. – Foi então que comentei com Larissa, hoje, sobre o que vinha ocorrendo. Ela me acompanhou até em casa e ouvimos o 'cara' no rádio falar com a gente. Ele disse, inclusive, que nós não o víamos, mas ele nos via.
- E que não estávamos sozinhas. – completou Larissa.
- Isso! Isso mesmo. – concordou Mel, olhando para o oficial. - Essa foi a primeira vez que ele falou usando o plural.
- Senhora, você tem rixa com algum vizinho?
- Não.
- Problemas com um ex-marido ou ex-namorado?
- Também não.
- Usa drogas?
- Não, senhor.
- Certo. O que podemos fazer agora é investigar a sua casa e registrar esse boletim de ocorrência. Peço que aguardem até que alguns oficiais as acompanhem até o apartamento.
Tanto Melissa quanto Larissa estavam agitadas. Ambas ouviam o chiar do rádio sempre que algum oficial passava perto delas. Era como se, o que quer que fosse, estivesse ali com elas, presente naquele recinto.
Do outro lado, o policial designava uma equipe com quatro oficiais para acompanhar as jovens, sentindo um remorso no peito, uma preocupação com a situação que não sumiu nem após alguns minutos passados à saída da equipe de investigação.
Ao chegarem no apartamento, tudo estava silencioso, exceto os corações de Mel e Larissa que palpitavam rapidamente. Tudo parecia normal. A equipe de investigação procurou por câmeras e microfones escondidos, buracos nas paredes, observou as janelas procurando algum maníaco observador, retiraram as luminárias e desmontaram o rádio.
- Não há nada aqui, senhora. – disse a investigadora da polícia. – Tudo parece normal em sua casa. Vou contatar a delegacia e um mandato para procurarmos em outros prédios.
- Ora, pelo visto as músicas de hoje foram mais animadas. – disse o radialista, mesmo com o rádio desconectado da energia. – Temos mais integrantes para a festa de hoje. Pelo visto, uma festa a fantasia. Tenho a 'playlist' perfeita para esse evento.
Todos se entreolharam assustados. E enquanto os oficiais se aproximavam do rádio, Mel tremia enquanto fixava seu olhar ao fim do corredor. Larissa não acreditou no que viu. Lá estava, no fim do corredor, com metade do corpo a vista, um homem de sobretudo, camisa, calça e chapéu panamá pretos, cabelos curtos, olhando e rindo, com um sorriso, literalmente, de orelha a orelha, segurando um microfone com a mão direita.
Larissa correu, desceu as escadas e entrou no carro. Dirigiu desgovernadamente para longe, até que o rádio ligou sozinho.
- Para você que deixou seus amigos sozinhos na festa, vamos tocar as músicas que eles mais curtiram nesses últimos momentos. – disse o radialista, rindo.
Larissa desesperou-se, tentou desligar o rádio e acabou batendo em um poste de iluminação. Saiu do carro aos prantos, gritando, enlouquecida.
Hoje ela está internada em um hospital psiquiátrico, isolada. Não ouve rádio, não assiste T.V., nada que envolva ondas de rádio.
Já Melissa e os investigadores da polícia, nunca mais foram vistos. Uma outra equipe foi até o local, encontrando a porta aberta e o os móveis do apartamento todos em seu devido lugar.
Kommentare